Descrição
«Mais importante do que os meus filhos ou do que a tua mãe ou a tua avó.
Viste-me de suíças brancas, quase acabado, com os dentes a balançar, com aquela tosse maligna, viste no que um homem se transforma. Ainda sentiste o cheiro do meu corpo a desfazer-se na cama, a podridão, o mijo, o vomitado sobre a roupa. Foi a ti que me agarrei nos últimos dias de vida, quis que ouvisses os meus pulmões a expulsar o pus e as minhas entranhas a rebentar como se a minha barriga batesse contra uma rocha.
Estavas ali sentado ao meu lado e eu a dizer-te como se saía da infância para a vida do mar. Ali, à minha frente, à escuta, e eu a ver-te crescer, a encheres o peito de ar e os olhos a dilatarem-se, a quereres ser homem de repente. E então, eu olhei, eu vi para dentro de ti, o que estava lá dentro, um mancha negra por detrás da pele da tua testa que alastrava para os lados, a toda à volta da cabeça, como uma cinta preta que se cosia na nuca, uma costura que podia rebentar a cada momento, mas que sabia que estava à espera do momento certo para se partir, o momento em que perderias o medo e toda a gente te respeitaria pelo que irias ser, um homem marcado pelo destino, um homem arraçado. Eu vi que tu estás feito para uma morte diferente da dos outros, que não irás nunca para o Bacalhau, nem uma vez que seja entrarás no mar como pescador. Tu és feito de uma outra coisa, os teus ossos e a tua carne foram cruzados por vários sangues. E eu apenas estava ali, ao pé de ti, a passar-te um testemunho antes de morrer.»
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